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Cálice


Tristeza e alegria possuem uma só rede na existência de cada um. Enquanto uma se nos apossa, a outra cochila levemente, esperando seu turno. A vida é uma gangorra entre momentos alegres, mornos e tristes. Como diz o filósofo, se quiseres apreciar a beleza da rosa, deverá suportar a dor dos espinhos.

A tristeza chega um dia. Noite escura no coração do homem. A agonia ronda, se aproxima e se instala.

É a hora da provação, onde o homem encontra-se consigo mesmo, desnuda-se e se dá a conhecer. Sofrimento - doutorado da vida, é bênção e privilégio aos que desejam ser mais homens.

Vendaval constante, tempestade assustadora, menosprezo pelo EU, vontade de destruição, desiderato de fuga. Quando chega nos arrasa; se não estamos firmes, nos aniquila. A morte do ente querido, a perda da pessoa amada, a quebra nos negócios, tragédia... tantos os motivos! E então, o coração fica apertado, o pensamento doente, olhar fixo no horizonte, lágrima que cai: Dor.

A corrosão interior goteja, vagarosamente, o ser. Cada segundo existe e o tempo não passa; as forças parecem falhar. Nesta hora, humildes, suplicamos: "Pai, afasta de mim este cálice". Assim foi com Jesus, a mais insigne Vítima dos vis sentimentos humanos. Ele, resignado, assumiu a dor. Mais do que isso, revelou o caminho da ressurreição e da libertação de todos os fardos, pesados, que carregamos.

Porque, através da dor, há a sublimação, a descoberta e o aperfeiçoamento. Ela é, talvez, a única senda pela qual o homem descobre coisas, que as vezes parecem lhe transcender. A dor nos humaniza porque nela sentimos que somos finitos, iguais e impotentes. Pela dor, somos obrigados a nos vergastar, a assumirmos nossa fraqueza e nossa ignorância, nossa finitute, nossa impotência. Por muitas vezes, pela dor, podemos compreender o exato sentido de justiça, pois ela pode ser injusta. Mas neste momento, não nos resta outro caminho a não ser SUPORTAR! É uma porta estreita que, transposta, nos revela a singularidade da beleza de ser-homem.

A própria natureza seguiu o exemplo divino: A uva, depois de colhida, é pisoteada e fermentada para que possa se tornar o fino vinho apreciado por nosso paladar; A estátua de madeira é árvore posta ao chão, talhada, vagarosamente, à navalha, para transformar-se num lindo objeto de admiração aos nossos olhos. O homem sofrido, pisoteado, injustiçado e humilhado torna-se criatura mais digna da imagem divina. E o sofrimento moral, que corta por dentro, nos forja da temperança limiar entre o ser e o divino, nos dando forças para enfrentar tempestades maiores.

Noite escura, nau à deriva. De nós depende a intensidade do negrume, a força da avalanche. A busca da ajuda, a palavra reconfortante do amigo, a leitura sadia, a prece aos céus e, acima de tudo, o espírito de resignação por aquilo que nos escapa do poder, são remédios que atenuam e aproximam da cura. São ajudas que aumentam o poder da resistência. A certeza de não estar só, de não ser o único nem o mais atingido, nos diminui o sentimento de injustiça.

Quando a dor vier não desesperes: segure firme o leme da sua embarcação. A torrente jogará de todos os lados, o rugido dos monstros noturnos te assustará, mas saibas, que pela manhã, o mesmo sol continuará a brilhar novamente, gora, porém, com maior intensidade. E te encontrarás, mais forte, mesmo sem o saber! Então a dor recuará lentamente perante sua força!

Este é o privilégio de sofrer. Saber sofrer. Quando sofres, é que Deus está te insculpindo, cuidadosamente, aperfeiçoando a obra da Sua criação. Sinta-te feliz por merecer tal cuidado. Mas assuma os espinhos.

Então, purificado, mais perto da Perfeição, sentar-te-ás ao lado de teu amigo, daquele, cuja alegria está a cochilar na rede e a tristeza se lhe apossa a alma. Olhar no poente, lágrima de solidariedade, colocarás em seu ombro a tua mão e então dirás: "Eu te compreendo". Nenhuma palavra mais será esperada!

"Se a jornada é pesada, segura na mão de Deus, e vai..."

Cescapin


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